Os desafios da energia nas cidades do futuro

A opinião de Pedro Dias, diretor de Estratégia da Galp, sobre o papel das cidades no futuro do setor energético e no sucesso das estratégias de descarbonização

As cidades são hoje o coração da humanidade, com mais de metade da população mundial a viver em áreas urbanas. Em 2050 deverão ser mais de seis mil milhões de pessoas a cruzarem-se diariamente nas ruas de todo o mundo. As cidades são também responsáveis, direta e indiretamente, por mais de dois terços do consumo mundial de energia e das emissões de carbono associadas, tendo um papel determinante no futuro do setor energético e no sucesso das estratégias de descarbonização.

A tecnologia e a acelerada digitalização em curso em todas as áreas de atividade da economia urbana têm vindo a possibilitar o desenvolvimento de soluções que permitem uma melhor utilização dos recursos existentes nas metrópoles, melhorando a qualidade de vida dos seus cidadãos e tornando-as mais sustentáveis. Ao longo das próximas décadas iremos necessariamente assistir a uma transformação do ecossistema urbano, com o sistema energético no centro destas mudanças.

Ao nível da produção e gestão de energia, as soluções descentralizadas para geração de energia solar e eólica, com possível armazenamento na forma de baterias ou hidrogénio, associadas a tecnologia peer to peer, com contadores inteligentes e gestão dinâmica de consumos, poderão devolver aos cidadãos o poder de decidir, tornando-se, no limite, autossustentáveis de forma isolada ou integrados em microrredes. Em teoria, estas novas soluções poderão também reduzir as necessidades de investimento na rede elétrica, substituindo parte do papel hoje assumido, por exemplo, pelos produtores, através dos serviços de garantia de potência ou de regulação da tensão. O modelo descentralizado cria, no entanto, desafios acrescidos do lado da rede pública, pela necessidade de interação com milhares de pequenos produtores-consumidores e pela previsível redução de tráfego e consequente receita, obrigando a uma reflexão sobre futuros modelos de financiamento das redes elétricas.

Na mobilidade, será necessário reduzir o congestionamento e o seu respetivo impacto ambiental. Além do papel variável que os transportes públicos terão em função do contexto específico de cada cidade, a revolução tecnológica em curso nos automóveis – bem sintetizada pelo acrónimo inglês CASE, que significa Connected, Autonomous, Shared and Electric – deverá conduzir a um aumento significativo da utilização efetiva dos veículos, uma redução da energia consumida e uma melhoria da qualidade do ar, suportada ainda por soluções de micromobilidade de proximidade, como sejam as bicicletas ou as trotinetas. Subjacente a esta revolução estão as soluções MaaS (Mobility as a Service), soluções integradas de mobilidade que implementam uma otimização personalizada no tempo e no espaço do percurso, permitindo ganhos de eficiência para o sistema.

No entanto, persistem dúvidas sobre qual o modelo de carregamento das viaturas elétricas que, com a massificação desta opção, melhor balanceará as necessidades dos utilizadores com a necessidade de investimento na rede elétrica. As veículos elétricos poderão também vir a servir como alternativa adicional para armazenamento e estabilização da rede elétrica, caso a tecnologia Vehicle to Grid se materialize e se utilizem as baterias dos carros para balanceamento da oferta e procura de eletricidade ao longo do dia.

Nos edifícios, a omnipresença de sensores e aparelhos eletrónicos poderá permitir uma comunicação com sistemas de controlo e otimização e uma adaptação permanente dos espaços às condições de utilização e conforto mais adequadas, reduzindo, em simultâneo, os custos energéticos. A possibilidade de geração e armazenamento obrigará ao desenvolvimento de soluções que giram todos os fluxos energéticos. Por exemplo, num condomínio que tenha painéis solares, terão de ser criadas regras para definição do destino da energia produzida, as quais podem depender do preço, em cada momento, da energia na rede e da capacidade dos pontos de consumo de absorverem picos de produção.

Em suma, os sistemas energéticos das cidades do futuro irão ter elevados fluxos de informação e processamento de dados, fluxos energéticos bidirecionais, nos quais se esbatem as figuras de produtor e consumidor, necessidades muito maiores de soluções de armazenamento, gestão ativa de consumos e redes mais descentralizadas, dando origem a uma realidade muito mais complexa e dinâmica.