“Queremos estar mais perto das populações do interior algarvio”

Aos 34 anos, a diretora-executiva da Odiana, uma associação empenhada no desenvolvimento do Baixo Guadiana, leva já mais de uma década dedicada à promoção e valorização das comunidades locais. Apaixonada pelo que faz, Catarina Cavaco não desperdiça uma oportunidade. Fomos conhecer o seu percurso e os projetos sociais inovadores que está a liderar na região

É alentejana de gema, nascida em Beja, mas tem raízes profundas no interior do Algarve, entre Alcoutim, Martim Longo e Castro Marim. Foi nesta terra de salinas que, num dia quente de agosto, a fomos encontrar, ao leme da Odiana, a Associação para o Desenvolvimento do Baixo Guadiana, e onde tem feito um trabalho meritório em prol da comunidade local desta região algarvia.

Do que faz, fala com a paixão que descobriu quando foi voluntária numa central de Socorro e Emergência, em Faro, enquanto se licenciava em Sociologia, na Universidade do Algarve. Uma vez concluído o curso e sem saber ainda em que ramo se iria especializar, resolveu fazer uma pausa sabática, continuando na Cruz Vermelha Portuguesa, onde acabou a coordenar os serviços da central. Foi aí que o bichinho pela Gestão de Recursos Humanos despertou. “Achei que o meu caminho seria por ali e decidi candidatar-me a mestrado na área”, conta esta socióloga de 34 anos, que, entretanto, juntou à bagagem um segundo mestrado em Desenvolvimento Comunitário e Empreendedorismo.

Catarina Cavaco é a diretora-executiva da Odiana, uma associação com mais de uma década de trabalho em prol da promoção e valorização das comunidades locais

Não querendo ficar por aqui, o próximo objetivo é o doutoramento, possivelmente no ramo da Psicologia ou da Sociologia das Organizações ou da Gestão e Administração, um sonho “adormecido” que continua na fila de espera para ser concretizado: “Talvez em 2025, é uma questão de oportunidade, falta só um bocadinho”, afirma, categórica, entre risos.

Do socorro e emergência à área social e ao ensino

Depois de ter trocado a área do socorro e emergência pela social, ao longo da última década Catarina começou a construir uma nova carreira cheia de diferentes desafios que agarrou sempre com garra: passou pela Câmara Municipal de Alcoutim, tendo participado na implementação da Universidade Sénior local, seguiu para o Instituto de Emprego e Formação Profissional de Faro, voltando ao Município de Alcoutim ligada ao projeto Contrato Local Desenvolvimento Social que não chegou a terminar por ter surgido o convite para integrar a Odiana, em 2022. Aqui, lidera uma equipa pequena de apenas 11 colaboradores que se dividem entre o trabalho administrativo e no terreno, pelo que faz o que for preciso para levar a bom porto todos os projetos que a associação tem em carteira, desde a gestão do serviço aos recursos humanos, ao acompanhamento e à realização de atividades junto da população.

O ano passado foi convidada para lecionar duas unidades curriculares – Comportamento Organizacional e Gestão de Recursos Humanos para hotelaria na licenciatura de Marketing – na Universidade do Algarve, mais concretamente na Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo, “uma oportunidade única e que não podia desperdiçar”.

Dar mais vida às populações e às localidades

A Odiana trabalha sobretudo com projetos que envolvem todas as áreas do desenvolvimento e promoção do território que abrange e que incluem a gestão de uma rede de percursos pedestres e da Grande Rota do Guadiana (de Vila Real de Santo António a Alcoutim), bem como a recente rede de cruzeiros fluviais transfronteiriços (em parceria com Espanha). Na lista está, ainda, a promoção de produtos agroalimentares endógenos – de que são exemplo o sal de Castro Marim, a alfarroba e a amêndoa –, e, entre outros, o Vilas em Movimento, lançado em 2023 em parceria com a Fundação Galp.

Catarina Cavaco acompanha, sempre que possível, todas as atividades realizadas junto da população como, neste caso, um workshop de costura que decorreu no Espaço Mobilidade, em Martim Longo

Este projeto, dirigido a todo o concelho de Alcoutim, abrange duas vertentes, a da mobilidade, através da implementação de um sistema de bicicletas partilhadas na vila de Alcoutim, e a social, em que se destaca a requalificação do Espaço Mobilidade em Martim Longo, que alia exercício físico e saúde/reabilitação física, além da realização de workshops com temas muito diversos para estimular a criatividade, o artesanato e as tradições culturais, numa ótica de promoção do bem-estar social da comunidade, entre eles costura, cestaria, tecelagem, flores, e de sessões informativas de proximidade dirigidos à população. “Nós dinamizamos atividades quase monte a monte, o território é muito grande, a população está, por isso, muito dispersa e a mais idosa não tem facilidade em se deslocar. É uma forma de combatermos, igualmente, o seu isolamento. Recorremos muitas vezes à ajuda da GNR (Guarda Nacional Republicana) – com quem estamos, neste momento, a desenvolver sessões sobre roubos e furtos –, dos Bombeiros, do Centro de Saúde e de outras entidades. Também estamos a dinamizar, sempre que possível, ações culturais, como sessões de cinema e de teatro, e a equacionar outras, nomeadamente magia. Até agora, está a correr muito bem, estamos a conseguir atrair cada vez mais pessoas, abrangendo um universo entre as 400 e as 500, e o feedback é muito positivo”, exemplifica.

Consolidada a primeira fase, o Vilas em Movimento está agora a preparar-se para atingir outros públicos, com um plano de atividades para 2025 feito a pensar não só na população mais envelhecida como também na mais jovem, incluindo as escolas, e, até, ações de convívio intergeracionais. “O objetivo é avançar para a educação ambiental e outras temáticas, não só com as crianças como com os idosos em conjunto, com atividades que sejam compatíveis para ambos os grupos. Por exemplo, os mais novos ensinarem aos mais velhos sobre a importância da sustentabilidade e das energias ‘verdes’ e por sua vez, estes transmitirem aos jovens tudo o que sabem sobre artes e ofícios de antigamente que se estão a perder”, revela a diretora-executiva da Odiana com aquele brilhozinho nos olhos de quem se orgulha do seu contributo para este projeto transformador.

Percurso profissional e pessoal no coração rural

Nenhum dia é igual a outro, mas todos são muito preenchidos. Quando consegue “desligar”, o pouco tempo que diz ter para si dedica-o em grande parte ao desporto. Ou em casa, onde tem algum equipamento de ginástica para se exercitar, ou a fazer caminhadas (às vezes uma corrida) adentrando-se num dos trilhos existentes na região geridos pela Odiana.

O desporto é uma das paixões da diretora-executiva da Odiana. As caminhadas ajudam a descontrair e também acabam por ser momentos de reflexão

Ao contrário de muitos jovens, que preferem zonas urbanas, Catarina gosta de viver e de trabalhar na tranquilidade do interior e das suas gentes. “Aprende-se muito com estas pessoas, que têm um acervo de conhecimento, de sabedoria e de vontade de viver enorme que, se não o aproveitarmos, vai acabar por se perder. Quem trabalha com a população que participa nas atividades do Vilas em Movimento sai de lá diariamente mais rico. Acho que devíamos todos passar por uma experiência de vida no interior e nas zonas rurais para darmos mais valor àquilo que temos e que muitas vezes não valorizamos. Sinto-me muito realizada com aquilo que faço e, além disso, aqui nesta região tenho muita qualidade de vida. Até o tempo parece que aqui é maior”, admite, embora acrescentando que, se necessário, não se sente limitada a um território no futuro. “Temos de ser um bocadinho nómadas e quando as oportunidades não vêm até nós, temos de ser nós a ir atrás delas para evoluir e atingir objetivos”, acrescenta.

“Aprende-se muito com estas pessoas, que têm um acervo de conhecimento, de sabedoria e de vontade de viver enorme”

Futuro que, sem a ajuda de uma bola de cristal, está, obviamente, no desígnio dos deuses. No horizonte, em termos de novos projetos está apenas o doutoramento, após o qual gostaria de se dedicar à investigação e, inclusive, lecionar. “Dar aulas foi uma experiência de que gostei muito, pelo que, se tiver oportunidade, irei também apostar nessa área”, conclui.

Entretanto, e para já, Catarina considera que tem ainda muitos planos e trabalho a concretizar para com as populações e o território do Baixo Guadiana.