Em criança, José dizia querer ser polícia, mas depois cresceu a observar o irmão mais velho, membro do corpo de bombeiros de Alcoutim desde a sua fundação, há 40 anos, a entrar e a sair de casa fardado. Além disso, a escola que frequentava ficava ao lado do local onde os veículos de combate eram guardados. A proximidade diária com as operações, ouvir as sirenes e ver os carros a sair em resposta a uma ocorrência, exercia sobre ele um fascínio ao ponto de chegar, assim que tocava o dispositivo de alarme que assinalava uma emergência, a “fugir” da escola para ficar a acompanhar. “Eram outros tempos, hoje isso não aconteceria. Felizmente nunca houve problemas, mas era perigoso”, reconhece.
Este contacto diário com a rotina dos “soldados da paz” influenciou-o profundamente. Viver neste ambiente de adrenalina constante e o respeito pelo trabalho dos bombeiros levaram-no a seguir o mesmo caminho, sem nunca esperar nada em troca.
O desafio de ser bombeiro
A dedicação altruísta e o desejo de ajudar a comunidade são, para ele, valores que ainda hoje perduram, tanto que as decisões mais difíceis de tomar são sempre aquelas que estão relacionadas com vidas humanas. “Por vezes, somos forçados a deixar propriedades serem consumidas pelo fogo, o que é particularmente complicado para quem perde os bens, para garantir a segurança das pessoas. Isto é especialmente doloroso porque lidamos diretamente com as vítimas, que, em momentos de desespero, acabam por desabafar connosco, em lágrimas, ou descarregam em nós a sua frustração por terem perdido o trabalho de uma vida. Uma vez, na Serra da Estrela, ao chegar a uma aldeia, uma senhora dirigiu-se a mim revoltada por termos chegado tarde e não conseguirmos salvar as casas mais afastadas. Aceitei as críticas com calma e, pouco depois, ao perceber que tinhamos ido de longe para ajudar, o clima mudou completamente e até me ofereceram uma sopa. Momentos como este exigem um enorme controlo emocional, porque a pressão e a carga psicológica são intensas”, conta José Ribeiros, para quem as situações mais desafiantes são sempre os incêndios de grande dimensão e os acidentes. “Muitas vezes, vivemos situações que nos marcam para a vida”, acrescenta este bombeiro de coração que confessa nem sempre ser fácil manter o sangue-frio necessário.

Bombeiro desde os 17 anos, José Ribeiros sente-se realizado e feliz por contribuir para a segurança das pessoas e do país
O corpo de Bombeiros de Alcoutim atua sobretudo no concelho mas, se necessário, vai em socorro a qualquer ponto do Algarve ou mesmo do país. Estes “soldados” vão onde forem precisos mais meios. No Algarve, explica o comandante, “a colaboração entre as várias corporações é essencial: o problema de um é problema de todos. Se houver um incêndio em Monchique nós vamos para Monchique. Em grandes incêndios, o socorro é coordenado ao nível regional e avança quem for necessário, de acordo com a proximidade e as escalas definidas”.
Numa emergência, há tanta coisa em jogo que exige uma gestão cuidadosa, mas rápida das situações, pelo que a tensão é enorme. “Quando somos os primeiros a chegar a um incêndio, há muitas preocupações iniciais: identificar pontos sensíveis como pessoas, casas ou acessos; avaliar o combustível presente, como mato ou árvores; e coordenar as equipas que vão chegando, entretanto avisadas via rádio. A primeira meia hora é particularmente crítica, pois ainda estamos a perceber o terreno e a decidir quais as melhores estratégias a seguir. Aos poucos, com uma estrutura já definida, em que uns se focam no combate, outros na logística e outros no planeamento, a operação torna-se mais eficaz”, detalha ainda.
Além disso, oferecem outro tipo de apoio, como o transporte não urgente de doentes, e estabelecem parcerias com outras instituições, como é o caso da Odiana, a Associação para o Desenvolvimento do Baixo Guadiana, com a qual têm vindo a desenvolver atividades junto da comunidade, e a Galp, que opera em Alcoutim um dos maiores parques solares fotovoltaicos do país, ao qual prestam assistência ao nível da segurança.
O papel importante dos voluntários
Comandar um corpo de bombeiros não é tarefa fácil, especialmente quando se trata de uma unidade de voluntários. Num concelho envelhecido como o de Alcoutim, com uma população de aproximadamente 2500 pessoas, onde mais de 60% dos habitantes têm mais de 60 anos de idade, a falta de jovens disponíveis para ingressar na corporação é grande.

Um aparelho de rádio é companheiro imprescindível no carro de comando. É através dele que gere muitas das operações, desde as equipas ao contacto com outras corporações e também para obter informações
Atualmente, os Bombeiros de Alcoutim contam com 25 membros efetivos e entre 12 a 15 voluntários adicionais. Mas deviam ser mais. De acordo com José Ribeiros, há um défice de cerca de 8 a 10 pessoas. Embora a profissionalização de todos os membros pudesse ajudar e apresentar-se como uma solução, os voluntários seriam sempre necessários. “O voluntariado é um complemento vital. No entanto, o número de voluntários está a diminuir cada vez mais. A situação é ainda mais desafiante devido ao facto de, no passado, a maioria dos bombeiros ser da vila, enquanto agora muitos residem a 30 ou 40 quilómetros de distância. Embora a tecnologia, como grupos de WhatsApp e SMS, ajude na coordenação, a dificuldade persiste. Muitas vezes, quem chama os bombeiros espera que eles sejam profissionais, o que coloca uma pressão adicional sobre os voluntários, que tentam agir com o máximo profissionalismo, mesmo quando trabalham durante o dia e só conseguem fazer o piquete ou dar disponibilidade durante a noite, o que pode ser um esforço adicional considerável, uma vez que, no dia seguinte, muitos precisam de retomar as suas atividades profissionais habituais”, reforça José, lamentando o parco financiamento às associações de bombeiros.
Tal como a maioria dos bombeiros, este comandante também começou na profissão como voluntário. Tinha 17 anos e acabado de fazer um curso de socorrismo. Mais tarde foi estudar Eletricidade para Évora, área que nunca chegaria a exercer, pois estava escrito nas estrelas que o grande desígnio da sua vida era ser bombeiro a tempo inteiro. Após a formação, quando regressou a Alcoutim, havia uma vaga na corporação local que era necessária preencher e não hesitou em agarrar a oportunidade, até hoje.
A vida de um comandante para lá do quartel
Pai de dois filhos, uma rapariga, de 22 anos, e um rapaz, de 6, José já tem pelo menos um potencial seguidor, pois o pequeno já veste a farda com orgulho. “Este ano, começámos com uma escola de cadetes, um projeto antigo que reúne uma série de atividades e que está a correr muito bem. Numa terra em que o número de crianças não é muito grande, não estávamos à espera da adesão que tivemos, quase 30 crianças e jovens, entre os 5 e os 18 anos”. No fundo, uma forma de cativar a geração mais nova para uma das mais nobres profissões do mundo, apesar de nem sempre fácil de conciliar com a vida pessoal e familiar, que acaba por ter de ser gerida praticamente ao minuto, dependente que está de acontecimentos externos impossíveis de controlar. Aliás, quando marcámos a entrevista com o José para uma tarde quente do início de agosto, sabíamos de antemão que a mesma podia ser adiada ou interrompida a qualquer momento caso houvesse um pedido de socorro naquela ocasião. Felizmente não aconteceu e ainda houve tempo para acompanhar este comandante a um dos seus hobbies preferidos: a pesca.