Arranque de uma nova era 

A opinião de Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis, sobre os desafios da transição energética

O ano de 2020 foi um ano de avanços e oportunidades no setor da eletricidade renovável. Começou com a comunicação do Green Deal, um pacote de medidas com vista à neutralidade carbónica da Europa em 2050, em resposta à declaração de emergência climática do Parlamento Europeu, exigindo maior ambição para a meta de redução de emissões de gases com efeito de estufa para 55 % até 2030, comparativamente com 1990.

Foi também aprovado o Plano Nacional de Energia e Clima para 2030, onde é apontada a meta de 80% para a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis (FER) até 2030, juntamente com o aumento da capacidade instalada de todas as tecnologias renováveis, que deverá atingir um total mínimo de 28,7 GW, partindo dos atuais 14,5 GW.

Por último, mas não menos importante, foi aprovada a Estratégia Nacional para o Hidrogénio Verde, na qual está prevista a instalação de 2 a 2,5 GW de eletrolisadores (potência equivalente de eletrolisação) até 2030, com o objetivo de produzir hidrogénio recorrendo a eletricidade gerada por fontes de energia renovável (hidrogénio verde).

2020 foi também certamente marcado pelo leilão de capacidade solar fotovoltaica onde foram alocados 670 MW, dos quais 483 MW na nova modalidade dedicada a projetos com armazenamento, mais uma vez com valores de tarifas equivalentes que aparentemente surpreenderam o setor. Com uma aposta clara do Governo num desenho de leilão que contribua para que o sistema elétrico obtenha sobre ganhos, assistiu-se, à semelhança de 2019, a uma corrida aos escassos pontos de ligação à rede elétrica, que resultou numa elevada competitividade para assegurar um ponto de ligação à RESP e gerar eletricidade renovável em território nacional.

Como resposta à crise provocada pela pandemia, a União Europeia avançou com um pacote de financiamento como condição de base à recuperação económica. Este pacote inclui 1.824 mil milhões de euros, sendo 1.074 mil milhões no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 e 750 mil milhões para o Next Generation EU, dos quais 30% são destinados à descarbonização, o que representa uma grande oportunidade de desenvolvimento do setor renovável na Europa e em Portugal.

No que toca à produção de eletricidade todos os centros electroprodutores de Portugal Continental produziram, em 2020, um total de 49 324 GWh de eletricidade, proveniente em 61,7 % de fonte renovável. Este total foi maioritariamente suportado pela tecnologia hídrica e eólica, que representaram 28 % e 24%, respetivamente.

A produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis apresentou um decréscimo de 5,6 % face a 2019, devido à reduzida taxa de utilização de 32 % das centrais, com enfâse nas centrais a carvão cuja taxa de utilização foi de apenas 15 %. Verificou-se ainda uma significativa melhoria na produção elétrica através do solar fotovoltaico, resultante da entrada em operação de novas centrais acrescentando 124 MW à capacidade instalada nacional.

Já 2021 será, previsivelmente, um ano de arranque de uma nova era, não apenas para o setor renovável, mas para toda a economia e sociedade. Depois da estagnação completa e inimaginável por todos, fruto do impacto da covid-19, o novo ano traz uma nova perspetiva de sociedade e de recuperação económica, exigindo-se uma reestruturação que nos torne mais independentes, mas ao mesmo tempo consolidando o importante papel de uma Europa unida.

Este passo coloca a transição energética e a neutralidade climática no centro, como motores de transformação de uma sociedade mais sustentável e resiliente, que precisa de pilares estruturais chave: a reindustrialização, a digitalização e eletrificação renovável direta e indireta da economia, a par com o fortalecimento da qualificação e conhecimento das populações, da resiliência e inovação e investigação.

“2021 será, previsivelmente, um ano de arranque de uma nova era, não apenas para o setor renovável mas para toda a economia e sociedade”

Um dos pontos que deverá observar uma evolução nos próximos tempos relaciona-se com a mobilidade. Na União Europeia (UE) e em Portugal, o setor dos transportes ainda é maioritariamente dependente de combustíveis fósseis. A Europa é responsável, atualmente, por um quarto das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), do qual 71,7% resulta do transporte rodoviário, e estes valores têm apresentado uma tendência de crescimento. Em Portugal, o cenário é semelhante, com o setor dos transportes a posicionar-se enquanto o segundo maior responsável pela emissão de GEE com 25,6% das emissões em 2018.

A Comissão Europeia (CE) tem vindo a adotar agendas políticas ambiciosas, impondo, para 2030, uma meta de redução de emissões de 30% (em comparação com 2005) para os setores não abrangidos pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão, onde se inserem os transportes, que repercutem em metas nacionais vinculativas a incorporar nos Planos de Energia e Clima de 2030 (PNEC 2030) pelos Estados-Membros.

Perspetivando que os veículos elétricos (VE) serão, a curto médio prazo, a solução mais custo-eficaz para o transporte individual de passageiros, existe ainda um longo percurso a fazer para garantir o cumprimento destes desígnios. Torna-se essencial aumentar a oferta de veículos no mercado automóvel, a criação de infraestruturas de carregamento e abastecimento, a produção sustentável de baterias e a criação de soluções para a sua reciclagem na Europa. Prevê-se que até 2025 serão necessárias cerca de um milhão de estações de reabastecimento e recarregamento públicas para os cerca de 13 milhões de veículos com nível nulo ou baixo de emissões a circular nas estradas da UE.

Apesar das políticas de incentivo fiscal à aquisição de VE, Portugal apresenta ainda uma infraestrutura de carregamento elétrico muito deficitária, o que desmotiva potenciais utilizadores à sua adoção. Em 2019, Portugal dispunha de um parque VE de cerca de 84 615, com apenas 2 252 postos de carregamento. E ainda, para além de muitos destes postos serem de baixa potência, com longos tempos de carregamento, alguns deles encontram-se frequentemente inoperacionais por deficiente operação e manutenção. Ainda assim, o número de postos de carregamento rápido tem vindo a aumentar, estando atualmente em funcionamento cerca de 250 e outros 80 em instalação ou planeamento. Também a lenta adaptação dos edifícios e condomínios a suportar o carregamento de veículos pesa como fator negativo para o utilizador, que se vê obrigado a recorrer à rede de carregamento pública existente.

Face ao custo elevado de um VE, os países europeus têm aplicado incentivos à sua aquisição. Portugal não se encontra entre o top 10 europeu, no entanto o Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões 2020, derivado do Fundo Ambiental, soma ao todo 4 milhões de euros, mais 1 milhão face a 2019. Deste valor, 2,7 milhões de euros são destinados aos incentivos para veículos ligeiros de passageiros, para pessoas particulares o incentivo é de €3000 e para pessoas coletivas €2000. Serve também de incentivo o facto de o estacionamento ser gratuito ou com grandes descontos em muitos municípios. Desde 2010, ano de lançamento da rede Mobi.E, que os carregamentos eram gratuitos, tendo passado a ser pagos em julho de 2020. Já os carregamentos rápidos são pagos desde 2018, dependendo do preço estipulado pelo Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME).